A sanção da “Lei do Combustível do Futuro” no Brasil marca um ponto decisivo na trajetória do país rumo à mobilidade sustentável.
O Brasil, conhecido por sua ampla capacidade de produzir biocombustíveis como etanol, agora se posiciona para intensificar o uso de fontes renováveis com novos parâmetros que visam reduzir as emissões de carbono. Com a promessa de destravar R$ 260 bilhões em investimentos e evitar a emissão de 705 milhões de toneladas de CO₂ até 2037, o desafio é adaptar as infraestruturas automotivas e energéticas para essas mudanças.
A lei, aprovada recentemente, traz mudanças substanciais na composição de combustíveis como gasolina e diesel, aumentando a mistura de etanol e biodiesel. Contudo, essas alterações levantam questões importantes sobre a adaptação dos veículos em circulação e os possíveis impactos mecânicos e econômicos. Como os motores irão reagir a essas mudanças? Quais serão os efeitos para os consumidores e a indústria automobilística como um todo?
A “Lei do Combustível do Futuro” (PL 528/2020), sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, estabelece metas ambiciosas para a redução de emissões de gases de efeito estufa e a adoção de combustíveis renováveis. A principal mudança trazida pela lei é o aumento da mistura de etanol na gasolina, que passa de uma margem atual de até 27,5% para uma faixa que pode chegar a 35%. A adição de biodiesel ao diesel também será incrementada gradativamente, atingindo 20% até 2030.
Essas modificações representam um avanço na política nacional de biocombustíveis, com foco na sustentabilidade e na descarbonização do setor de transporte. O Brasil, que já se destaca como o maior produtor de etanol de cana-de-açúcar do mundo, busca consolidar sua posição de liderança global na produção de biocombustíveis. Empresas como Raízen e Inpasa estão investindo bilhões em novas plantas de produção de etanol de segunda geração (E2G) e biogás.
Contudo, essas alterações não estão isentas de desafios. Especialistas alertam que motores a gasolina, especialmente os fabricados antes de 1980, podem enfrentar dificuldades com o aumento da mistura de etanol. Sistemas de alimentação, carburadores, e componentes como velas e bombas de combustível podem sofrer desgaste acelerado, exigindo manutenção mais frequente e maiores custos para proprietários de veículos mais antigos.
Além disso, veículos a diesel também podem ser impactados. O aumento da proporção de biodiesel pode causar problemas em filtros e bombas de combustível, afetando diretamente a performance dos motores. Esses desafios técnicos colocam em cheque a capacidade da frota nacional de se adaptar rapidamente às novas regulamentações.
A transição para combustíveis renováveis no Brasil é impulsionada pela necessidade de reduzir emissões de carbono, mas também pela busca por independência energética e competitividade no cenário global. O uso de biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, se alinha com metas estabelecidas por programas como o RenovaBio e o Proconve, que visam reduzir as emissões no transporte e na indústria.
No entanto, a adaptação tecnológica necessária para que a frota nacional funcione adequadamente com essas novas misturas de combustíveis traz preocupações significativas. Carros monocombustíveis a gasolina, especialmente os mais antigos, não foram projetados para lidar com altos níveis de etanol. A eficiência energética desses veículos pode ser prejudicada, resultando em um aumento de consumo e possíveis danos mecânicos. Isso pode afetar uma grande parcela da população que ainda utiliza esses modelos, criando um dilema entre a sustentabilidade e os custos de manutenção veicular.
Além do impacto nos motores, a infraestrutura de distribuição também precisará ser revisada. O aumento da produção de biocombustíveis exige investimentos em logística e armazenamento, além da adaptação das refinarias para processar esses novos combustíveis. Empresas como o Grupo Potencial, que investe R$ 600 milhões na expansão de sua capacidade de produção de biodiesel, estão se preparando para atender a demanda crescente, mas o setor ainda enfrenta desafios estruturais, como o alto custo de insumos e a dependência de tecnologias importadas.
O impacto econômico também deve ser considerado. A inclusão de uma maior proporção de etanol na gasolina, apesar de promover a redução de emissões, pode aumentar o preço final do combustível para o consumidor. Da mesma forma, o biodiesel, embora seja uma alternativa mais limpa, ainda enfrenta barreiras de custo que podem retardar sua adoção em larga escala.
Frente a esses desafios, a indústria automotiva e o setor de biocombustíveis têm buscado soluções para mitigar os impactos das novas regulamentações. Montadoras já estão desenvolvendo motores flex mais eficientes, capazes de lidar com misturas mais altas de etanol sem prejuízos significativos ao desempenho. O setor de autopeças também está se preparando para oferecer soluções de adaptação para veículos mais antigos, minimizando o risco de falhas mecânicas.
No âmbito governamental, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) está monitorando a implementação das novas regras e realizando estudos para garantir que as metas de mistura de etanol e biodiesel sejam viáveis a longo prazo. Programas como o RenovaBio, que incentivam a produção e o uso de biocombustíveis, são fundamentais para garantir que o Brasil mantenha sua competitividade no mercado global de combustíveis sustentáveis.
Empresas como a Raízen e a Inpasa estão na vanguarda desse movimento. A Raízen, por exemplo, assinou um compromisso de investimento de R$ 11,5 bilhões para ampliar sua capacidade de produção de biogás e biometano. Já a Inpasa, maior produtora de etanol de milho do Brasil, inaugurou recentemente a maior usina de etanol do mundo, localizada em Mato Grosso. Esses investimentos são cruciais para garantir que o Brasil possa atender à crescente demanda por combustíveis renováveis.
A transição para combustíveis renováveis é um passo necessário para garantir um futuro mais sustentável no Brasil e no mundo. A “Lei do Combustível do Futuro” estabelece as bases para que o país continue a ser uma referência global em biocombustíveis, mas os desafios técnicos e econômicos são reais e precisam ser enfrentados com planejamento e inovação. A adaptação dos motores e a expansão da infraestrutura de distribuição serão essenciais para garantir que a transição ocorra de forma eficiente e benéfica para todos.
Ao responder à pergunta principal levantada no início desta matéria, fica claro que a mudança no uso de combustíveis renováveis terá impactos significativos na indústria automotiva e na vida dos consumidores, mas também abre uma oportunidade única para o Brasil liderar a transição energética global.
Fonte: Uol, R7, Estadão e Moneytimes.